Poema da salvação da floresta - Ecoo

Poema da salvação da floresta

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Por Jorge Luiz Valente, jornalista, artista e poeta, de revista Plurale – 

Era uma vez um país que tinha bicho, vida, terra. Besouro, vespa, lesma, laranja, vermelha, branca, preta, amarela, roxo, rosa, sépia. Que tinha verde escuro e claro sobre a relva. Quando ventava, soprava a bem-aventurança nos campos e ali vivia em paz o guaxe, a seriema, o rouxinol.

Mamífero, pássaro, réptil, anfíbio. Bicho que voa. Bicho que enterra-se. Bicho que esturra. Bicho de guelra. Bicho que come semente, que come outro bicho, que come planta, que come folha e erva. Bicho de rio, de árvore, de selva.

E tinha onça e feras a dar com pau, onde bicava à vontade o pica-pau, que tinha dias e noites de chuva e sol. Que tinha água às vezes verde musgo, às vezes turmalina, às vezes prateada, às vezes azul-marinho, onde se via, cinza e rosa, muito golfinho. E onde o céu de tão azul era azulzinho. Onde até bicho de outra plumagem e latitude ali vinha e, estação em estação, se aboletava e se entocava, a fazer ninho.

Havia árvores de grande copa, onde as famílias penduravam seus filhotes. Muito bugio, muito sagui, muito guariba, sempre no cio, sempre a saltar, sempre a nascer e a morrer no próprio ciclo.

E lá nos chapadões, muita aranha, tamanduá, bicho peludo, bicho pelado, preá. Uma pá. Bicho dormindo, bicho acordado. De olho aberto, olho fechado. E na Amazônia seca ou encharcada, abelha que dá mel, boto que dá beijo, preguiça que dá abraço. Índio e índia pelada. Escorpião do mato. Gavião que voa alto, morcego que voa baixo.

E sempre havia cantoria: de dia, canta o sanhaço; de noite, a coruja pia; de tarde, papagaio, cacatua, maritaca, canário, pardal, calopsita importada, japira. E a sinfonia do sabiá-laranjeira, chamando ao longe, sedutor e afinado, a companheira.

E agora, tudo calado. O fogo é a besta-fera. Calcina a terra. A cascavel arrasta o ventre por entre a lava. Estão a salvo só o boi mugidor e a vaca. Berra, aqui e ali, a motosserra. Tudo isso, um dia, vai ser só fotografia? Tudo isso, um dia, vai ser digitalizado? Quem me dera ver de novo o céu anil. E dar uma topada em uma toupeira ou num pau-brasil.

Antes, tinha surucucu, jararaca, carcará, caititu. Hoje, uma jiboia se enforcou num jatobá. Gato do mato, jaguatirica. Andorinha, cotovia, beija-flor, biguá. A quem irão beijar no meio de tanta dor? Que arca haverá pra lhes salvar do vulcão?

Caparam a capivara. Apagaram o vagalume. Garfaram o gafanhoto. Pintaram com o pintassilgo. O socó pediu socorro. A piranha pirou. Corroeu-se a corruíra. A lagarta se largou. O trinca-ferro se ereiferrou. O mergulhão se afogou. A cambaxirra acabou. A garça se esgarçou. Não se viu o bem-te-vi. A rolinha não rolou. Pra onde foram o colhereiro, o suiriri? E há pouco, uma tarântula atarantada, no afã de se salvar, grudou na língua em brasa de uma sucuri engasgada.

Antes, tinha cerrado, pantanal, floresta, canal, praia, baía, rio, restinga, lagoa, lírios, gardênias, flores às pampas, igarapés, ararinhas, ariranhas, pororocas e bosques com amoras e frutas apetitosas, manacás, begônias, morangos vermelhos, bromélias abertas, joaninhas e centopeias, palmeiras quilométricas, castanheiras altivas e outras diversas plantas, nativas, girassóis soprando ao vento, toda a botânica às margens do Atlântico e do pacífico.

Sabiás aqui cantavam como não cantam nos Açores. E gorjeavam os azulões como não fazem na França, em Angola, na Espanha, na Tanzânia, na Transilvânia, em Istambul, na Mongólia, em Seul, na Patagônia e Ucrânia.

Antes, abriam as asas as harpias e tinham onde aterrissar no lusco-fusco, das caatingas, dos sertões, nas lonjuras de um pomar, e tinham árvore de onde espiar. Cadê você João de Barro? Perdeu a casa e foi viver ao Deus-dará? É tudo agora uma lembrança? É tudo agora um recordar?

Cadê você, tucano? Que pena eu sinto da tua pena e do teu canto. Pra onde foram o uirapuru, o tangará, o tuiuiú, a arara azul? Voar pra onde, se a terra sangra, o fogo inflama? O ar enforca o curió e a urutu, asfixia o tatu bola, resseca o brejo, machuca a flora, cancela a lua, mata o jacu, cala o canário, e o cururu.

Cadê você, sapo kambô? Teu berro agora é uma nota de langor? Cadê você, urubu-rei? Quem se atreveu a destruir o teu reinado? Quem foi o Nero que tacou fogo no teu castelo? Quem violou no Amapá a tua lei?

E a abelha-rainha, onde vai reinar? Como fazer o mel em meio ao fogaréu?

Ali, havia um jabuti. Aqui, voava um colibri. O helicóptero espantou o coleóptero. O teco-teco abafou o tico-tico. E o trator passou por cima do umbuzeiro. Pra onde foi o tamanduá-bandeira? Onde se esconde o belo urso-formigueiro?

Cadê você, maracajá? A tua casa está em chamas, queimaram o céu, queimaram o chão. Pra onde vai tua família? Pra onde vão os teus bichanos, sem torrão?

Cadê você, macaco prego? Pra onde foge o primata inzoneiro? Cadê você, cravo-do-Maranhão e flor de Carajás? O mico leão, aflito, olha pro Norte e se pergunta, prostrado e aflito: até quando, nessa tragédia, terei um lar? Serei, também, nessa epopeia, um “homeless”?

E o que será do Guarani Kaiowá? Como vencer a artilharia, com que arma? Que pode a flecha contra as ondas de um braseiro? Como beber de um rio que é vermelho? Pra que buá se a terra seca, esturricada, já não se pode irrigar com um lamento? Quem aprendeu a combater em campo aberto, como enfrentar numa cilada, num embuste, a naja em forma de um covarde pistoleiro?

Cadê você cobra coral, corais tigrados, gambás grudados, os emplumados, corujas grandes, águias gigantes, peixes dourados, tucunarés? Cadê vocês, sapos listrados?

Cadê você, ô jacaré? Cadê você, veado campeiro? Cadê você, ô saruê? Cadê o degradê do sol se pondo, indo e voltando? Quem vai salvar o peixe-boi desse melê? Quem vai salvar o boto e o mico brasileiros?

Senhor Deus dos sabiás, dizei-me vós, senhor Deus, se eu deliro ou se é verdade o fim do lobo-guará? Ó floresta milenar, por que não apagas com a força das tuas matas de teu chão esse tição?

Onças, raias, jararacas. Rolai das florestas bravas, varrei os céus, gavião!

#Envolverde

 

 

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