Pesquisadores descrevem trajetria do rio de fumaa que escureceu So Paulo - Ecoo

Pesquisadores descrevem trajetria do rio de fumaa que escureceu So Paulo

POR – AGNCIA FAPESP / NEO MONDO

 

Dois sistemas que permitem o monitoramento de poluentes atmosfricos desenvolvidos nas ltimas duas dcadas com apoio da FAPESP esto ajudando cientistas a entender fenmenos raros observados na cidade de So Paulo na ltima segunda-feira (19/08): o escurecimento repentino do cu no meio da tarde e a chuva acinzentada observada logo depois em algumas partes da Regio Metropolitana

Ainda no domingo (18/08), uma intensa pluma de material particulado com mais de 3 mil metros de altitude foi detectada por uma equipe do Instituto de Pesquisas Energticas e Nucleares (Ipen) por meio do sistema Lidar, do Centro de Lasers e Aplicaes (CLA). Posteriormente, com auxlio de imagens de satlites da Nasa a agncia espacial norte-americana e de um modelo que prev a trajetria percorrida por massas de ar, os pesquisadores concluram se tratar de partculas provenientes de queimadas ocorridas nas regies Centro-Oeste e Norte, entre Paraguai e Mato Grosso, abrangendo trechos da Bolvia, Mato Grosso do Sul e Rondnia.

Acrnimo paralight detection and ranging(deteco de luz e medida de distncia), o Lidar um radar de laser que permite o sensoriamento remoto ativo da atmosfera para a deteco de poluentes. Vem sendo desenvolvido desde 1998 porEduardo Landulfo, por meio de vriosprojetosfinanciados pela FAPESP.

O sistema ilumina o cu e as partculas presentes na atmosfera refletem a luz, que captamos com um telescpio. Ao analisar esse sinal, conseguimos identificar o tipo de partcula e a distncia da superfcie em que ela se encontra, explicou Landulfo.

Segundo o pesquisador, a pluma de poluio comeou a pairar sobre a Regio Metropolitana de So Paulo entre 4 e 5 horas da tarde de domingo resultado de queimadas que ocorreram muito provavelmente de quatro a sete dias antes.

Como explicouSaulo Ribeiro de Freitas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a massa de ar poludo gerada pelas queimadas nas regies Norte e Centro-Oeste geralmente empurrada a 5 mil metros de altitude por ventos que sopram do Atlntico para o Pacfico (de leste para oeste), at esbarrar na Cordilheira dos Andes. A fumaa comea ento a se acumular sobre o leste do Amazonas, Acre, Venezuela, Colmbia e Paraguai at que o chamado sistema anticiclone, com ventos que circulam a 3 mil metros de altitude no sentido anti-horrio, comea a transportar a massa poluda na direo sul, margeando os Andes.

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O que ocorreu no incio desta semana foi a convergncia dessa massa de ar poludo que vinha do norte com uma frente fria vinda do sul. Os ventos convergiram e fizeram o rio de fumaa se curvar em direo regio Sudeste. Alm da fuligem, outros poluentes presentes na atmosfera como monxido de carbono, dixido de carbono, oznio, xido nitroso e metano interagiram com as nuvens trazidas pela frente fria e potencializaram a formao desmog[termo em ingls que representa a mistura entre fumaa e neblina], disse.

O transporte atmosfrico de emisses de queimada sobre a Amrica do Sul vem sendo monitorado no Centro de Previso de Tempo e Estudos Climticos (CPTEC) do Inpe desde 2003, por meio do sistema CATT-BRAMS (Coupled Aerosol and Tracer Transport model to the Brazilian developments on the Regional Atmospheric Modelling System), desenvolvido por Freitas em colaborao com Karla Longo e Luiz Flvio Rodrigues (ambos do Inpe) e comapoioda FAPESP.

Trata-se de um produto pioneiro que faz previso para at trs dias da qualidade do ar e que tem sido adotado em vrios centros do mundo, entre eles o National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), dos Estados Unidos, contou o pesquisador. As previses da qualidade do ar feitas no CPTEC podem ser consultadas diariamente pelo endereohttp://meioambiente.cptec.inpe.br.

Nas imagens obtidas pelo modelo BRAMS (foto) possvel ver que no dia 16 de agosto o rio de fumaa descia no sentido sul, atingindo Porto Alegre (RS) e parte da Argentina. Aos poucos, vai sendo desviado para o Sudeste e, no dia 20 de agosto, j cobre boa parte do Estado de So Paulo.

De acordo com o professor do Instituto de Fsica da Universidade de So Paulo (USP)Paulo Artaxo, durante sua trajetria rumo regio Sudeste, a pluma das queimadas interagiu com o vapor dgua na atmosfera, alterando as propriedades das nuvens.

As partculas funcionam como ncleo de condensao da gua. Assim, gotculas de chuva menores so formadas, mas em grande quantidade e isso faz com que uma maior parte da radiao solar seja refletida de volta para o espao, a ponto de escurecer o solo, como aconteceu no ltimo domingo, disse.

Segundo Freitas, a chuva de cor acinzentada tambm foi resultado dessa interao da fuligem com as nuvens. A fumaa entranhou nas gotculas de chuva, sendo depois depositada na superfcie da cidade de So Paulo, disse.

Trata-se de um fenmeno esperado do ponto de vista da qumica atmosfrica, afirmou Artaxo, e no deve causar alarde. Essa chuva no faz mal para as pessoas. Apenas caiu de uma nuvem com alta influncia de queimadas, disse.

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Anlises feitas com uma amostra da gua turva colhida na Zona Leste da capital pela biloga Marta Marcondes, professora da Universidade Municipal de So Caetano (USCS), revelaram uma quantidade de sulfetos 10 vezes maior que a mdia normalmente observada em guas pluviais. Essas substncias normalmente esto relacionadas com a queima de biomassa e de combustveis fsseis. Tambm chamou a ateno a grande quantidade de material particulado que ficou presa no filtro e a turbidez sete vezes maior que o normal, disse.

Pesquisadores do Instituto de Qumica da USP identificaram na gua da chuva a presena de reteno, substncia proveniente da queima de biomassa e considerada um marcador de queimadas. O estudo foi coordenado pela professoraProla de Castro Vasconcellos.

A boa notcia, segundo os especialistas, que, como a pluma de poluio estava a mais de 3 mil metros da superfcie, no chegou a comprometer a qualidade do ar na capital paulista. De fato, monitores da Companhia Ambiental do Estado de So Paulo (Cetesb) indicaram boas condies na ltima semana.

As cidades mais prximas da regio onde ocorrem as queimadas, como Cuiab, Manaus e Porto Velho, so as que mais sofrem com a degradao da qualidade do ar, disse Freitas.

Tanto o pesquisador do Inpe quanto Landulfo, do Ipen, afirmam que a chegada das emisses de queimadas na Regio Sudeste relativamente comum no perodo de seca, entre julho e setembro.

Mas para ter causado todos esses efeitos observados nos ltimos dias deve ter sido uma quantidade de fumaa muito grande. Ainda no sabemos distinguir se um fogo provocado ou acidental, que tambm comum no perodo da seca, afirmou Landulfo.

Em nota tcnica divulgada no dia 20 de agosto, porm, cientistas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amaznia (IPAM) afirmaram que a Amaznia est queimando mais em 2019 e o perodo seco, por si s, no explica este aumento.

Segundo o texto, o nmero de focos de incndios para a maioria dos estados j o maior dos ltimos quatro anos at 14 de agosto eram 32.728 focos registrados, nmero 60% superior mdia dos trs anos anteriores. A estiagem, por outro lado, est mais branda. Tal fato, afirma a nota, indica que o desmatamento possa ser um fator de impulsionamento s chamas. Os 10 municpios amaznicos que mais registraram focos de incndios foram tambm os que tiveram maiores taxas de desmatamento, diz o texto. Os pesquisadores se basearam em dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Imazon, do sistema de deteco de focos de calor do satlite AQUA, da Nasa, e dados de precipitao do CHIRPS (Climate Hazards Group Infrared Precipitation and Station Data).

Dados do Sistema Deter, do Inpe, que emite alertas dirios de reas desmatadas para ajudar na fiscalizao, indicam que o desmatamento na Amaznia cresceu 50% em 2019. Julho foi o pior ms da srie histrica, com 2.254 quilmetros quadrados (km) de alertas alta de 278% em relao a julho do ano passado. De agosto de 2018 a julho de 2019, o Deter apontou 6.833 km desmatados, contra 4.572 km no ano passado (agosto de 2017 a julho de 2018). A taxa oficial da destruio ser dada no fim do ano pelo sistema Prodes, tambm do Inpe.

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